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Doenças e tratamentos

2013-01-19

Hidrocefalias

Hidrocefalias
Introdução:

Para abordar as hidrocefalias é necessário considerar a circulação do líquido cefalorraquidiano (LCR). Este é um componente do sistema nervoso central (SNC), tem aspeto cristalino e desempenha funções nutritivas e de proteção.
O LCR é produzido em estruturas coraliformes, os plexos coroideus (fig. 1), que existem no interior das cavidades cerebrais, denominadas ventrículos, circulando entre estes através de orifícios ou canais, passando por fim para o espaço que envolve o encéfalo e a espinhal medula, o espaço subaracnoideu. No espaço subaracnoideu é reabsorvido, em igual proporção à sua produção, passando para o sangue venoso (fig. 2).
Quando surge alguma perturbação neste processo natural de produção – circulação – reabsorção do LCR, este pode acumular-se no interior dos ventrículos cerebrais dando origem a hidrocefalia (fig3).
A hidrocefalia provoca aumento da pressão intracraniana e compressão do encéfalo causando alterações neurológicas e sintomatologia clínica.
Definição
Hidrocefalia é o aumento anormal do volume e/ou pressão do LCR no interior dos ventrículos cerebrais – hidrocefalia obstrutiva ou no interior dos ventrículos cerebrais e espaço subaracnoideu – hidrocefalia comunicante. Quando o LCR dilata a cavidade central que existe dentro da espinhal medula origina outra patologia, designada hidromielia ou hidro-seringomielia.  sociada a outras malformações congénitas, espinhais, como os mielomeningocelos ou disrafismos abertos, ou encefálicas.
Pode também ser adquirida, secundária a outras patologias, como infeções, hemorragias ou tumores encefálicos, casos em que pode ser resolvida com o tratamento da causa primária ou pode necessitar de tratamento independente.
Sinais e sintomas:
Nos recém-nascidos e nos primeiros anos de vida a hidrocefalia manifesta-se pelo aumento do volume do crânio (macrocrania ou macrocefalia), medido habitualmente pelo perímetro cefálico, cruzando as curvas de percentis que o registam, e por aumento da pressão intracraniana, causando hipertensão das fontanelas cranianas e podendo dar sintomas como irritabilidade, sonolência, vómitos ou desvio inferior do olhar (olhos em “sol poente”).
Nas crianças mais velhas ou nos adultos manifesta-se por sintomas provocados pelo aumento da pressão intracraniana: dores de cabeça (cefaleias), náuseas, vómitos e tonturas. É frequentes estes sintomas serem mais acentuados de manhã, após o levantar, melhorando ao longo do dia, nas fases mais precoces. Com o evoluir da doença surgem outras alterações, como sonolência ou prostração, desorientação, lentificação da linguagem ou motora, perturbação da visão, dificuldades no equilíbrio, na marcha e coordenação dos movimentos, ou alteração do controlo dos esfíncteres.
O diagnóstico é feito através de exames imagiológicos crânio-encefálicos, como a ecografia transfontanelar (EcoTF), nos primeiros meses de vida, enquanto a fontanela anterior está aberta, a tomografia computorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM), que caracterizam as dimensões ventriculares e podem esclarecer a causa da hidrocefalia.
A hidrocefalia de pressão normal (HPN) é uma condição particular do idoso, na qual se verifica uma dilatação dos ventrículos cerebrais concomitante com um quadro clinico especifico, denominado tríade de Hakim: alterações cognitivas progressivas, com perturbação da memória e raciocínio, alteração da marcha com desequilíbrio e alargamento da base de apoio e alterações do controlo urinário. Esta síndrome, que muitas vezes pode ser confundida com doença de Alzheimer ou outras formas de demência, tem habitualmente um bom prognóstico, com resolução das alterações clinicas, com tratamento adequado, pelo que é muito importante ser adequadamente diagnosticada.
Tratamento
Não existe terapêutica farmacológica curativa para a hidrocefalia, e a grande maioria dos casos necessita resolução cirúrgica. Alguns fármacos podem ter utilidade temporária como os corticoides em hidrocefalias secundárias a tumores encefálicos, por diminuírem o edema cerebral e efeito compressivo associado a estes, facilitando a circulação de LCR.
O tratamento da hidrocefalia pode ser a resolução da sua causa, quando possível, como a remoção de tumores que obstruam a circulação do LCR, mas muitas vezes é necessário uma intervenção específica. Destas as mais frequentes são a implantação de sistemas de drenagem do LCR – derivações ventriculares. Estes podem ser temporários, em situações, como hemorragias ou infeções, que se pense serem transitórias, drenando o LCR através de um cateter colocado nos ventrículos cerebrais para um reservatório externo (derivações ventriculares externas), ou podem ser definitivos, ou para funcionarem a longo prazo, derivando o LCR dos ventrículos cerebrais habitualmente para a cavidade peritoneal, no abdómen (sistemas de derivação ventrículo-peritoneais), ou em alternativa menos frequente, para a aurícula direita ou para a pleura (sistemas de derivação ventrículo-atriais ou ventrículo-pleurais). Estes sistemas são dispositivos tubulares, com um cateter proximal colocado num ventrículo cerebral (habitualmente frontal ou parieto-occipital), uma válvula que regula o fluxo do LCR e um cateter distal colocado na cavidade correspondente, e são frequentemente designados por “válvulas” ou “shunts”. A válvula do sistema assegura um fluxo unidirecional, apenas para fora do encéfalo, e regula a drenagem de LCR. Há uma grande diversidade de válvulas disponíveis no mercado, que permitem a saída de LCR a partir de um valor de pressão intracraniano pré-determinado (válvulas de regulação de pressão com pressão fixa) ou regulável (válvulas de regulação de pressão programáveis), ou controlam o volume de fluxo de LCR (válvulas de regulação de fluxo), sendo necessário escolher a mais adequada a cada situação clínica.
Recentemente têm sido progressivamente mais difundidas técnicas endoscópicas (Neuroendoscopia) em que é realizada uma abertura nos ventrículos cerebrais (habitualmente no pavimento do IIIº ventrículo), permitindo a circulação de LCR destes para o espaço subaracnoideu, ultrapassando pontos de obstrução à sua circulação. Esta técnica, denominada ventriculostomia endoscópica, é muito eficaz em situações de hidrocefalia obstrutiva, como estenoses nas passagens mais estreitas da circulação de LCR ou secundária a alguns tumores cerebrais. A ventriculostomia endoscópica tem vantagens sobre as derivações ventriculares, por ser uma solução mais fisiológica, permitindo restabelecer os mecanismos normais   controlo da produção-absorção de LCR e da pressão intracraniana e por não recorrer á implantação de materiais estranhos.
Prognóstico
As hidrocefalias são situações graves, potencialmente fatais quando se instalam de forma aguda e não são adequadamente tratadas, originando aumentos críticos da pressão intracraniana. Em casos de evolução crónica podem originar alterações neurológicas progressivas por compressão cerebral (por exemplo cognitivas, motoras ou de controlo dos esfíncteres) ou diminuição da visão por atrofia dos nervos ópticos secundária a transmissão da pressão intracraniana.
Por outro lado quando tratada de forma adequada e antes da instalação de alterações neurológicas irreversíveis, o prognóstico das hidrocefalias é favorável, sendo de esperar resolução do aumento de pressão intracraniana e de alterações neurológicas agudas.
Apesar deste prognóstico favorável na maioria das situações em fase aguda o tratamento das hidrocefalias tem uma taxa de insucesso significativa a prazo. Em particular as derivações ventrículo-peritoneais, a forma de tratamento mais comum, têm taxas de infeção de cerca de 5 % e de disfunção necessitando nova cirurgia em até 50-70% dos casos a 10 anos na maioria das séries de grandes centros pediátricos internacionais. Em adultos as taxas de disfunção são mais baixas mas sempre significativas (20-30%). As ventriculostomias endoscópicas têm uma taxa de disfunção mais baixa (5-10% a 10 anos) mas não nula. Assim um ponto vital no tratamento das hidrocefalias é o seguimento a prazo dos doentes e as recomendações para vigilância de sinais de alerta (nomeadamente sinais indicativos de reaparecimento de hipertensão intracraniana – cefaleias, vómitos, sonolência ou irritabilidade anormais) que deverão justificar recurso imediato a urgência hospitalar para orientação.
Em situações de sequelas neurológicas estabelecidas pode ser necessário recorrer a programas de reabilitação, estimulação e educação individualizados, nomeadamente quando há dificuldades na aquisição ou manutenção de capacidades cognitivas ou motoras, na aprendizagem escolar ou integração social.

BBC News

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