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Doenças e tratamentos

2011-05-04

Epilepsia

A Epilepsia é uma doença do cérebro caracterizada por “ataques” repetidos. Um “ataque” ou uma “crise” define-se como uma alteração súbita do do conhecimento ou do comportamento devido a uma perturbação temporária do funcionamento eléctrico do cérebro. Convulsão é outro termo também utilizado frequentemente como sinónimo de crise ou ataque. Apesar de, na sua origem, ter implícito o movimento, este nem sempre está presente. Neste texto, os termos crise, ataque ou convulsão vão ser usados como sinónimos a bem da simplicidade.
Habitualmente, o cérebro gera continua e regularmente impulsos eléctricos minúsculos. Estes impulsos percorrem a rede de células nervosas do cérebro (neurónios) e, depois, pelo corpo todo, através de mensageiros químicos chamados neurotransmissores.
Na epilepsia, contudo, os ritmos eléctricos cerebrais têm tendência a tornar-se desequilibrados resultando nas crises. Nos doentes com crises, o padrão normal é interrompido por surtos rápidos e sincronizados de energia eléctrica que pode, momentaneamente, afectar a sua consciência, movimentos ou sensações.
O diagnóstico de epilepsia é feito, geralmente, após uma pessoa ter pelo menos duas crises que não foram causadas por nenhuma condição que se origine primariamente no cérebro como, por exemplo, a privação de ingestão de álcool em alcoólicos ou valores de açúcar no sangue extremamente baixos.
Se as crises se originarem numa área específica do cérebro, os sintomas iniciais reflectem, frequentemente, a função dessa área. A metade direita do cérebro controla a metade esquerda do corpo e a metade esquerda do cérebro a direita do corpo. Assim se, por exemplo, uma crise tiver o início na metade direita do cérebro na área que controla o movimento do polegar, então a convulsão pode iniciar-se por uma contracção involuntária do polegar esquerdo ou da mão.
Tipos de Crises
Existem muitos tipos de crises mas, de uma forma geral, podem ser agrupadas em dois grandes grupos: Crises Generalizadas e Crises Parciais. A grande diferença entre estes dois tipos está na forma como se iniciam.
As Crises Generalizadas iniciam-se com uma descarga eléctrica dispersa envolvendo as duas metades do cérebro em simultâneo. Factores genéticos estão na origem de muitas destas crises.
As Crises Parciais iniciam-se com uma descarga eléctrica numa área limitada do cérebro. Algumas podem estar relacionadas com traumatismos cranianos, infecções cerebrais, acidentes vasculares cerebrais, malformações no desenvolvimento do cérebro ou tumores, mas na maioria das vezes a causa é desconhecida.
As crises parciais podem ainda ser subdivididas em relação à consciência (capacidade de responder e de se lembrar). Esta pode estar diminuída ou preservada.
Em pessoas com predisposição para ter convulsões, os factores que podem precipitar uma crise  são:
●      Stress
●      Privação de sono ou fadiga
●      Uso de álcool ou abuso de drogas
●      Falha na toma de medicamentos antiepilépticos
Alguns Números
Das pessoas que têm uma primeira crise sem causa aparente, aproximadamente metade terá uma outra, habitualmente no espaço de 6 meses.
Uma pessoa tem duas vezes maior probabilidade de ter outra crises se tiver uma lesão cerebral ou outro tipo de anomalia cerebral. Se tiver duas crises, tem 80% de hipóteses de vir a ter mais. Se a primeira crise surgiu na altura de uma lesão ou infecção no cérebro, a probabilidade de vir a desenvolver epilepsia é maior do que se não tiver tido nenhuma crise durante essa situação.
Prevalência e Incidência
Em Portugal, calcula-se que existam cerca de 10.000 pessoas com Epilepsia com uma incidência de cerca de 2.500-5.000 novos casos todos os anos. Os novos casos de epilepsia são diagnosticados com maior frequência no primeiro ano de vida. A taxa de novos casos vai baixando progressivamente até à idade de 10 anos de idade e depois estabiliza. Após os 70 anos, pode aumentar novamente 2 a 3 vezes devido ao aparecimento de acidentes vasculares cerebrais, tumores ou outras condições que provocam epilepsia.
Factores de Risco para o aparecimento de Epilepsia
●      Parto prematuro e baixo peso ao nascer
●      Trauma durante o parto (como falta de oxigénio)
●      Convulsões no primeiro mês de vida
●      Estrutura cerebral anormal no nascimento
●      Hemorragia cerebral
●      Vasos anormais no cérebro
●      Traumatismo cerebral grave ou falta de oxigénio no cérebro
●      Tumores cerebrais
●      Infecções do cérebro como encefalites ou meningites
●      Acidente Vascular Cerebral por bloqueio nas artérias
●      Paralisia cerebral
●      Atraso no desenvolvimento mental
●      Convulsões ocorrendo poucos dias após um traumatismo craniano
●      História familiar de epilepsia ou convulsões febris
●      Doença de Alzheimer (tardio na doença)
●      Convulsões febris de longa duração
●      Abuso de álcool ou drogas
Diagnóstico
O diagnóstico deve ser feito por um médico, baseado no que o doente (ou, menos frequentemente, o acompanhante) conta, nos sinais físicos e resultados de testes como o electroencefalograma (EEG), a tomografia computorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM).
É essencial que o tipo de epilepsia e de crises sejam ambos correctamente diagnosticados porque isso tem valor para o aconcelhamento do melhor medicamento para a tratar.
Tratamento
A epilepsia pode ser tratada com fármacos, cirurgia ou dieta cetogénica. No entanto, são os fármacos antiepilépticos que têm o papel mais importante no controlo desta patologia. Porém, eles tratam os sintomas da epilepsia (as crises), ao invés de curarem a condição que a provoca. Os fármacos actuam no cérebro reduzindo a tendência das células do cérebro de enviarem sinais eléctricos excessivos e confusos. Antes de qualquer droga ser iniciada, é importante discutir com o seu médico os benefícios, os seus efeitos acessórios e riscos.
O tratamento cirúrgico pode ser uma alternativa viável para algumas pessoas com epilepsia que não conseguem ser controladas com a medicação. Uma pessoa que tenha recebido doses adequadas de vários fármacos por um período apropriado de tempo sem ter tido bons resultados tem baixa probabilidade de controlar por completo as crises.
A cirurgia da epilepsia pode beneficiar os doentes com crises associadas a anomalias estruturais cerebrais como tumores benignos, alterações dos neurónios, malformações dos vasos sanguíneos (malformações arterio-venosas  e angiomas cavernosos) e acidentes vasculares cerebrais. O objectivo da cirurgia da epilepsia é identificar a área anormal do cérebro onde as crises se originam e a sua remoção. Por vezes, esta cirurgia é feita sem causar nenhum defeito neurológico significativo mas, em outros casos, tal não é possível devendo os riscos e os benefícios ser bem ponderados caso a caso.
A cirurgia é usada maioritariamente para tratar crises parciais, uma vez que apenas uma área do cérebro está envolvida. Após a cirurgia, muitos doentes ficarão livres de crises, enquanto outros ficarão com as crises mais fáceis de controlar. Um número reduzido de casos pode não melhorar e terá de encarar outras opções terapêuticas.
Em alguns casos, uma abordagem paliativa é usada apenas para impedir a difusão das crises, quando o foco da crise não pode ser encontrado com precisão. Uma destas abordagem consiste em interromper a ligação entre as duas metades do cérebro com uma calosotomia. O corpo caloso é uma banda de fibras nervosas que conectam os dois lados do cérebro (hemisférios). Ele permite a partilha de informação pelos dois hemisférios, mas contribui também para a propagação dos impulsos de uma crise, de um lado para o outro. A calosotomia é a técnica que permite a interrupção dessa propagação, e é apenas usada num número reduzido de casos, com indicações muito restritas.
Os avanços tecnológicos tornaram possível identificar com maior precisão onde as crises se originam no cérebro (regiões epileptogénicas) e os avanços na cirurgia tornaram as operações mais seguras. Os benefícios da cirurgia devem sempre ser pesados tendo em atenção os seus riscos.
Outro tipo de cirurgia que pode ajudar apenas no controlo das crises e, por isso, é considerada também cirurgia paliativa é a estimulação do nervo vago (ENV). Esta técnica começou a ser utilizada em 1997, nos Estados Unidos da América e tem como objectivo prevenir as crises enviando impulsos eléctricos regulares para o cérebro através do nervo vago, no pescoço. Requer uma cirurgia mais simples, com necessidade de implante de um estimulador no peito, ligado através de um eléctrodo a um nervo localizado no pescoço. A eficácia do ENV é semelhante à dos fármacos, com cerca de metade dos doentes a beneficiarem de uma redução franca das crises. Habitualmente, não há controlo completo das crises com esta técnica, mas pode permitir reduzir alguns fármacos ou a sua dose.
Em Portugal, já existe outra técnica, também paliativa que parece vir a dar uma nova esperança no tratamento da epilepsia. Esta técnica é semelhante à usada para o tratamento da doença de Parkinson e é designada por Estimulação Cerebral Profunda. No caso da epilepsia, a estrutura do cérebro que se pretende estimular é o núcleo anterior do tálamo, que é uma região profunda do cérebro e que está envolvido em alguns dos circuitos habituais da epilepsia. Esta técnica está a ser aplicada em regime experimental e sob protocolos rigorosos.
Vivendo e Enfrentando a Epilepsia
As pessoas com epilepsia estão em risco, embora reduzido, para duas condições graves: Estado de Mal Epiléptico e SUDEP (Sudden Unexplained Death in Epilepsy – Morte súbita em Epilepsia).
O estado de mal epiléptico são convulsões frequentes, que não cessam e é considerado uma emergência médica. Se não for parado em 30 minutos pode causar danos permanentes ou a morte.
SUDEP é uma condição rara na qual jovens ou adultos jovens com epilepsia morrem sem causa aparente. Corresponde a menos de 2% das mortes entre os doentes com epilepsia e o risco é de cerca de 1 em cada 3.000 por ano.
A maioria das mulheres com epilepsia pode engravidar mas deve discutir sobre a sua doença e os seus medicamentos com o seu médico antes de ficar grávida. Muitos doentes tomam doses altas de medicamentos que podem potencialmente ser prejudiciais para o feto. Em alguns casos, a medicação pode ser reduzida, particularmente, se as crises estiverem bem controladas. Apesar dos fármacos poderem induzir malformações nos fetos, estas são raras desde que as mães recebam cuidados diferenciados pré-natais. As mulheres com epilepsia têm uma probabilidade de terem crianças normais e saudáveis em mais de 90% dos casos.
A epilepsia é uma condição crónica que pode afectar as pessoas de diferentes maneiras. Muitas, têm uma vida perfeitamente normal e activa. Entre 70 a 80% das pessoas com epilepsia conseguem controlar a doença com sucesso, através de medicação ou cirurgia. Algumas, acabam por pensar raramente na epilepsia, excepto quando vão tomar a medicação ou vão às consulta regulares com o seu médico.
Deve procurar manter-se bem informado sobre esta condição e ter uma atitude positiva. Trabalhar de perto com a sua equipa médica aderindo aos esquemas terapêuticos propostos é essencial para o controlo das crises a fim de conseguir levar uma vida cheia e equilibrada.

BBC News

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